terça-feira, 16 de outubro de 2007

O PRIMEIRO EMPREGO

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Finalização de curso, mil idéias na cabeça, e uma carteira de trabalho sem assinatura do primeiro contrato. O estudante que finalizou o período universitário se vê diante do dilema tão discutido atualmente que é a oportunidade de vivenciar as diversas teorias nos bancos escolares a partir do seu primeiro emprego, porém sem a experiência contraditoriamente exigida pelos postos de trabalho, agências de empregos e mercado excludente atual.
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Desde o governo FHC, a sociedade brasileira se inquieta com o escoamento de um contingente de jovens que saídos da universidade não consegue vagas para trabalhar. Independentemente de classe social, o que mais torna esse funil apertado são as exigências de capacitação que entra em choque com a cultura de cada região e a preparação que supostamente a universidade oferece aos estudantes concluintes. Primeira exigência: saber inglês. Atento-me à escola pública. Qual a escola pública que em seu currículo formal contempla o ensino qualitativo da língua inglesa, capacitando o estudante para ouvir, ler, escrever e falar outra língua que não seja a de origem? Nessa exigência, o ensino da própria língua portuguesa entra em debate e reflexões. Sempre vêm à tona questões do tipo; forma-se leitores? Estimulando, através da alfabetização, o aluno para gostar e se apaixonar pela leitura? O professor lê? O que? Na escola tem biblioteca? Os pais incentivam os filhos ao hábito da leitura? E as políticas culturais contemplam debates sobre a edição de livros de autores locais, sejam esses livros de ficção, romance, ou didático? E o livro didático utilizado na sala de aula? Vem de onde? Contempla qual visão de mundo? Qual contexto cultural? Pois bem. Diante dessas reflexões o estudante que não sabe inglês, possivelmente já fica no meio do funil diante de um pequeno percentual de contemplados pela sorte de sua classe social. Segunda exigência: cursos complementares ao universitário. Essa premissa é absurda. Terminamos o curso “superior” e corremos para o mercado de trabalho, raramente temos condições para seguir uma especialização, mestrado ou outro curso que robusteça nosso diploma. Existem os heróis que, mesmo trabalhando, aventuram-se em qualificações profissionais adicionais em horários noturnos, o que sacrifica a qualidade do empreendimento. Ou seja, quanto mais carimbo no diploma, mais condições de lutar por uma vaga no mercado de trabalho.
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O caso do aluno advindo de escola pública é um caso mais obtuso de pensar, pois concluir o ensino médio já é um ato heróico. Nesse universo do primeiro emprego, ainda temos que ponderar outros fatores de risco e que obviamente faz parte da “cadeia alimentar”. Trata-se de casos dos grupos de homossexuais, negros, ex-detentos, portadores de necessidades especiais etc... para esses casos existem, imaginem, até empresas que já contemplam em seu organograma, coordenações e diretorias para reservar vagas “especiais”, que no final das contas é uma forma de reviver a esquecida teoria de Louis Althuser, os aparelhos ideológicos do Estado. Justificativa social, eu diria.
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O emprego informal vem crescendo no Brasil e no mundo, apontando para uma certa incompetência dos governos para formalizar e criar programas ostensivos objetivando receber no mercado de trabalho o concluinte de um curso médio, profissionalizante ou superior. Um problema que aflige o governo Lula e reflete a angustia coletiva dos jovens, família e governantes que têm pela frente uma população que, ao contrario da Europa, é de jovens que pensam, refletem e sonham em se incluir na reforma social do Brasil. Mesmo sabendo que cada Estado no Brasil tem sua secretaria sobre o primeiro emprego e demais problemas de inclusão dos jovens no mercado de trabalho, ainda estamos diante de um grande desafio.
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Para finalizar essa provocação, acabo de ver na TV, uma passeata de jovens de BH que saíram nas ruas para pedir a renuncia do senador Renan. Bom sinal!

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

MERCADO INDEPENDENTE


Minha geração não poderia ser mais intermediária. Quando deixei minha cidade natal, Carpina, zona da mata norte de Pernambuco, minha memória auditiva era a programação da “rádio Planalto”, que tínhamos como companhia através de um rádio de pilha, “Rayovac-A pilha do gato”. O rádio ficava em cima da mesa da sala ligado o dia todo. Por ali desfilavam Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Jacinto Silva, Trio Nordestino, Marinês e sua gente, Dominguinhos, cantadores e repentistas, coquistas e cirandeiros, poetas da mata norte. Chegando em Recife, minha “outra” avó, Maria Galvão, colecionava vinis, eram pesados, capas e encartes enormes, e eram nossa distração no bairro da zona sul de Recife, Cabanga. Os vinis ou Long Plays, além do compacto duplo, eram tocados em uma radiola de válvula, ABC, a voz de ouro. De Capiba a Nelson Ferreira, Claudionor Germano, Expedito Baracho, Reginaldo Rossi, Evaldo Braga, Roberto Carlos, Angela Maria e Núbia Lafaiete. Até chegar a era dos Cds, pen drives e ipods foi muito rápido e ainda hoje comento como em 20 anos o mercado musical deu uma girada vertical. Meu sobrinho de 12 anos pergunta porque eu não arquivo meus milhares de Cds em apenas um HD externo, ou mesmo em um mp3, fácil de transportar e com espaço bem menor que meu pequeno escritório. O mundo da música mudou e nesse contexto surgem novas maneiras de se relacionar com o mercado oficial diante de um mercado alternativo ou independente que apareceu vindo do planeta virtual chamado download.
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Independente, passou a se chamar o mercado que surgiu paralelo ao mercado das gravdoras. Com a tecnologia fértil e rápida, um músico pode gravar seu CD no quarto de seu ap, depois ele pode levantar uma grana e editar, mixar e masterizar em um espaço melhor, porém se ele conseguir tecnologia complementar, todo esse processo pode ser feito de maneira caseira e com qualidade, e o melhor, sem logomarca, ou mesmo selo de distribuição. Vivenciamos no momento uma desmaterialização do produto cultural. Podemos visitar museus, ver monumentos em qualquer parte do planeta terra, assistir ao filme predileto, apenas usando uma tela, sem necessariamente ter o produto na mão. O olhar passa a ser reeducado e os sentidos tomam novas direções de prazer e sentimentos diante de novas formas de apreciar a arte, a criação e expressão do ser humano. O mercado independente deu independência para criar e distribuir o que se cria, abrindo novas maneiras de se multiplicar as mídias. Os piratas que antes vinham do Caribe e dos mares fantasmagóricos, hoje, estão nas carrocinhas de CDs, DVDs e jogos eletrônicos, socializando imagem, som e diversão. Isso é que é globalizar algo.
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Não sejamos ingênuos. O mercado oficial se traveste, e o que antes era gravadora, agora é editora, ou se transformou em produtora/agenciadora de artistas para ter lucro em cima dos espetáculos. Estão vendendo música pra celular, pra novela de TV, fazendo parceria com lanchonete, indústria de bebidas e refrigerantes para atenuar a derrubada que o poder hegemônico da arte sofreu depois da invasão dos multiplicadores virtuais. Continuam investindo nos maiores produtores de público, ainda, o rádio e a TV. Mesmo assim o que temos atualmente, é uma geração que procura reverter esse hábito de popularizar algo pelos canais oficiais. Essa geração, através do mundo virtual, baixando canções, acessando o myspace, comunidades no orkut procura consumir de maneira cidadã (Néstor Garcia Canclini), o que não pertence ao óbvio. Nessa geração, em sua maioria da classe estudantil, estão redescobrindo um novo olhar sobre a obra de arte, seja da moda ao cinema. Um mundo independente da oligarquia do mercado vem crescendo e deve ser observado em todos os aspectos. Um mundo que nasce associado às novas maneiras de tecnologia, ao mesmo tempo com preocupação ética e estética de se contrapor ao modelo enfermo do mercado secular.

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Então. Buscar, multiplicar, valorizar e se divertir. É a nova ordem.
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Silvério Pessoa, músico e colunista do blog do CUCA.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Entrevista com Silvério Pessoa inaugura sessão COLUNISTAS no Blog do CUCA

A internet é um mundo a parte. Não é a toa que é chamada por aí de "mundo virtual". Este universo abriu uma enorme gama de possibilidades para a produção cultural. Através de um clique pode-se romper fronteiras e democratizar esse bem. No embalo do debate sobre liberdade de conhecimento, o portal EstudanteNet ouviu o cantor, compositor e ativista do movimento social, Silvério Pessoa, que falou sobre rádio comunitária, direitos autorais, livre distribuição e, claro, sobre seu trabalho.
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O próprio Silvério, oriundo da Zona da Mata Norte de Pernambuco, filho de Ivete Leal Pessoa, professora de acordeon e Severino Marques Pessoa, motorista de caminhão, caracterizou o seu som. "Minha música é para o meu povo, e nesse contexto eu canto e faço canções pra mudar as pessoas".
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O cantor e compositor foi membro do Diretório Acadêmico da UFPE, onde cursou pedagogia. Politizado e engajado, participou de ações junto a UNE e a UBES e se diz próximo do público universitário. "A cada dia tenho a classe estudantil como referência de ideologias e utopias".
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Com a experiência de quem está na contra mão da indústria cultural, o músico falou ainda sobre novas formas de veicular o rico trabalho que é desenvolvido no Brasil. "Temos que pensar canais de escoamento dessa produção, mas com incentivos através de uma nova ótica de mercado", afirmou.
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Sobre a rádio livre, Silvério foi taxativo. "Acredito que em breve cada site vai ser uma rádio livre, enfraquecendo cada vez mais essa estrutura obsoleta das rádios oficiais". Quando o assunto foi o direito autoral, ele defendeu. "Eu creio que o mercado 'futuro', vai ser da desmaterizalização da obra de arte. A arte vai estar disponível em todos os canais de 'apresentação' do artista, então a propriedade da obra perderá força no mercado de vendas", disparou.
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Confira a íntegra da entrevista concedida ao CUCA da UNE para o EstudanteNet:
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A modernidade e a tradição fazem parte do seu repertório de forma muito marcante. Como é a experiência de misturar esses elementos?
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Minha música é a síntese de uma história da qual faço parte... Um rapaz que migrou da Zona da Mata Norte de Pernambuco e que levou seu imaginário, seu inconsciente coletivo rural para a metrópole, para a cidade, onde descobriu o que denominam de "desenvolvimento", de "crescimento". A cultura urbana, tecnológica... Essa mestiçagem é para mim meu som! De raízes rurais, country, tradicional, ao mesmo tempo com acessórios tecnológicos, discretos, porém presentes.
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Esses acessórios tecnológicos contribuem para descentralização e democratização da cultura?
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É um projeto musical, pessoal. Confesso que quando componho, quando penso no resultado que uma canção soará, não planejo diretamente os resultados na matriz cultural, nos investimentos, no mercado... Essa análise vem depois. O que procuro, delicadamente, não fazer é repetir esteriótipos culturais, folclóricos, emblemas obsoletos em um mundo "moderno", ou seja, usar chapéu de couro, gibão, ser contra a utilização de tecnologia nas matrizes musicais, enclausurar a tradição em um invólucro sagrado, que reduz sua ação em âmbito nacional, já que sofremos esse rótulo idiota de regional. Outra coisa é que não sou puro, sou resultado de uma cultura de síntese agrícola-urbana. E atualmente, com 5 anos de tour pela Europa e Ásia, já observo o Brasil de outra maneira: local – planetária – mundial. Meu trabalho tem uma espontaneidade que não sei explicar... Se isso colabora com a possibilidade das novas gerações observarem a tradição com um olhar atual, isso, pra mim, é muito bom pra história do meu povo.
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Em relação à história do seu povo que você sempre fala... Qual seu compromisso com a arte? Ou seja, por que e pra quem você canta?
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Primeiro canto para o povo de onde vim, pra minha história... Tenho um compromisso com essa história de onde vem minha família, meus antepassados, índios, europeus, africanos. Canto sem pesquisar, eu sou o que faço. E a arte junto à educação são elementos e formas de expressão que contemplo como ato político. Sem neutralidade política, porém sem panfletos. Outra coisa... A forma política já está inserida nos meus textos, nas vozes que não são escutadas na mídia oficial (rádios, novelas, etc...), no seu cotidiano, nas suas crenças, nos seus desejos... Minha música é para o meu povo, e nesse contexto eu canto e faço canções pra mudar as pessoas... Seja simbólica mudança interior, seja em ouvir a tradição de maneira nova e não saudosa!
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Você canta pra muita gente, muitos tipos de público... como é a sua relação com o público universitário?
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Eu venho da classe universitária, sempre atuei no DA de Pedagogia da UFPE, participei de projetos em Educação de adultos tendo o método Paulo Freire como base, fiz parte de comitês estudantis da campanha de Betinho, trabalhando em educação de jovens e adultos, atuei na área de educação e cultura do MST, na coordenação de Pernambuco, fui professor do Estado na formação de professores em área rural, auxiliando na capacitação de Universitários e participei das várias ações na Universidade junto a DAs, DCE, UNE, UBES. Não me sinto longe do público universitário. A cada dia tenho a classe estudantil como referência de ideologias e utopias. Também não me sinto longe do magistério. O palco pra mim é uma relação prazerosa e ideológica entre educação, arte e luta por um país melhor.
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Nós do CUCA, procuramos fazer a produção circular pelo país... A troca é sempre enriquecedora. No cinema, estamos fazendo o cinejornal, uma forma de divulgar o que se produz nos nossos espaços... Na música, o que você acha que precisa ser feito?
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Democracia e socialização dos espaços concedidos às rádios; políticas culturais ostensivas quando uma rádio receber concessão para se instalar em um Estado ou em uma cidade para executar o que se produz na região; formação de grupos de artistas em todas as áreas para discutir, elaborar propostas e ações para que o que se produz no Estado, seja em cinema, literatura, música, moda, etc... encontre um canal de promoção local/nacional. Ao mesmo tempo rever o conceito de produção cultural, propriedade autoral, e distribuição desses produtos via os vários meios possíveis... Em resumo, elaborar novos pensamentos em relação à produção humana, e focar a cultura dentro de um novo mercado, que além de capitalista, possa atuar sobre a perda da aura da obra de arte, parafraseando Benjamin. Nada de Sacralizar a produção cultural! O artista popular adoraria ver seus produtos vendidos, distribuídos, exportados. Temos que pensar canais de escoamento dessa produção sem a perda da "aura", sem produção em série, mas com incentivos através de uma nova ótica de mercado.
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E as rádios livres?
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Aqui em Recife o meio mais contemporâneo de distribuir uma música é através das rádios comunitárias, sementes ou matrizes das rádios livres. Como comentei, o artista, ou "novo artista", além de ser um empreendedor de idéias, é um criativo por natureza. Ele procura os meios mais significativos e menos óbvios de expor, de expressar seu mundo. As rádios livres apontam para uma nova fronteira sem fronteiras, a sintonia do futuro. Acredito que em breve cada site vai ser uma rádio livre, enfraquecendo cada vez mais essa estrutura obsoleta das rádios oficiais. O Minc já tem laboratórios variados sobre as rádios livres. E o mais contraditório quando se fala em produção e mercado em Pernambuco, principalmente após o movimento Mangue, que continua firme, é que o que se produz não é executado nem promovido em nosso próprio espaço de criação. Ou seja, somos ignorados pelas rádios locais, que recebem autorização para se instalarem aqui no Estado. É uma violência fora do comum para quem não quer utilizar a tabela do Jabá para ser tocado em seus próprios domínios. Por isso que escrevo sobre "política cultural ostensiva"!
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E como você vê a questão dos direitos autorais nessa tendência, quando muitas vezes eles impossibilitam a exibição de um trabalho?
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Só poderia responder essas questões envolvendo diretamente minha realidade, refletindo o mercado oficial que envolve artistas de diversas áreas. Cada cópia de CD meu nas ruas, ou nos ipods, mp3, cada cópia do meu DVD pelo mundo virtual, ou mesmo nas casas mais humildes, cada canção minha sendo reescrita, refeita, ouvida livremente pelo mundo... é um parceiro que conquisto, é minha forma de promoção. Ao mesmo tempo em que ofereço produtos para o mercado "regular" tenho a maior simpatia e refletimos, eu e minha produção, sobre como promovemos nossas ações. Nesse contexto eu só poderia ser um adepto das idéias que envolvem a livre distribuição e promoção do que produzo. Tenho uma trilha no overmundo e estudamos a possibilidade de disponibilizar meus CDs solos no Creative Commons. Vai ser uma questão de tempo esse mundo novo de socialização da obra de arte. Eu creio que o mercado "futuro" nem sei se vamos alcançar, vai ser o mercado da desmaterizalização da obra de arte. O artista vai se concentrar em expor seja no cinema, seja no atelier, seja no palco. O seu mundo e sua expressão vão ser ali... ouvidos, cores, olhares, sons, luzes, telas, interação... O espetáculo vai ser in loco, a obra de arte vai estar disponível em todos os canais de "apresentação" do artista, então a propriedade da obra perde a força do mercado de vendas. Quem obstacula a circulação do seu produto é porque ou tem vinculação com uma corporação ou não tem total administração do seu produto (como meu caso, que tenho contrato na Europa e Ásia com uma label), no meu caso específico eu não obstaculo a circulação de minha obra, deixando claro para meus distribuidores esse item em contrato. Existe um fazer idéia, de criar... que é próprio.
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Por Vanessa Stropp, coordenadora do CUCA São Paulo e Net Repórter
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