segunda-feira, 10 de setembro de 2007

MERCADO INDEPENDENTE


Minha geração não poderia ser mais intermediária. Quando deixei minha cidade natal, Carpina, zona da mata norte de Pernambuco, minha memória auditiva era a programação da “rádio Planalto”, que tínhamos como companhia através de um rádio de pilha, “Rayovac-A pilha do gato”. O rádio ficava em cima da mesa da sala ligado o dia todo. Por ali desfilavam Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Jacinto Silva, Trio Nordestino, Marinês e sua gente, Dominguinhos, cantadores e repentistas, coquistas e cirandeiros, poetas da mata norte. Chegando em Recife, minha “outra” avó, Maria Galvão, colecionava vinis, eram pesados, capas e encartes enormes, e eram nossa distração no bairro da zona sul de Recife, Cabanga. Os vinis ou Long Plays, além do compacto duplo, eram tocados em uma radiola de válvula, ABC, a voz de ouro. De Capiba a Nelson Ferreira, Claudionor Germano, Expedito Baracho, Reginaldo Rossi, Evaldo Braga, Roberto Carlos, Angela Maria e Núbia Lafaiete. Até chegar a era dos Cds, pen drives e ipods foi muito rápido e ainda hoje comento como em 20 anos o mercado musical deu uma girada vertical. Meu sobrinho de 12 anos pergunta porque eu não arquivo meus milhares de Cds em apenas um HD externo, ou mesmo em um mp3, fácil de transportar e com espaço bem menor que meu pequeno escritório. O mundo da música mudou e nesse contexto surgem novas maneiras de se relacionar com o mercado oficial diante de um mercado alternativo ou independente que apareceu vindo do planeta virtual chamado download.
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Independente, passou a se chamar o mercado que surgiu paralelo ao mercado das gravdoras. Com a tecnologia fértil e rápida, um músico pode gravar seu CD no quarto de seu ap, depois ele pode levantar uma grana e editar, mixar e masterizar em um espaço melhor, porém se ele conseguir tecnologia complementar, todo esse processo pode ser feito de maneira caseira e com qualidade, e o melhor, sem logomarca, ou mesmo selo de distribuição. Vivenciamos no momento uma desmaterialização do produto cultural. Podemos visitar museus, ver monumentos em qualquer parte do planeta terra, assistir ao filme predileto, apenas usando uma tela, sem necessariamente ter o produto na mão. O olhar passa a ser reeducado e os sentidos tomam novas direções de prazer e sentimentos diante de novas formas de apreciar a arte, a criação e expressão do ser humano. O mercado independente deu independência para criar e distribuir o que se cria, abrindo novas maneiras de se multiplicar as mídias. Os piratas que antes vinham do Caribe e dos mares fantasmagóricos, hoje, estão nas carrocinhas de CDs, DVDs e jogos eletrônicos, socializando imagem, som e diversão. Isso é que é globalizar algo.
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Não sejamos ingênuos. O mercado oficial se traveste, e o que antes era gravadora, agora é editora, ou se transformou em produtora/agenciadora de artistas para ter lucro em cima dos espetáculos. Estão vendendo música pra celular, pra novela de TV, fazendo parceria com lanchonete, indústria de bebidas e refrigerantes para atenuar a derrubada que o poder hegemônico da arte sofreu depois da invasão dos multiplicadores virtuais. Continuam investindo nos maiores produtores de público, ainda, o rádio e a TV. Mesmo assim o que temos atualmente, é uma geração que procura reverter esse hábito de popularizar algo pelos canais oficiais. Essa geração, através do mundo virtual, baixando canções, acessando o myspace, comunidades no orkut procura consumir de maneira cidadã (Néstor Garcia Canclini), o que não pertence ao óbvio. Nessa geração, em sua maioria da classe estudantil, estão redescobrindo um novo olhar sobre a obra de arte, seja da moda ao cinema. Um mundo independente da oligarquia do mercado vem crescendo e deve ser observado em todos os aspectos. Um mundo que nasce associado às novas maneiras de tecnologia, ao mesmo tempo com preocupação ética e estética de se contrapor ao modelo enfermo do mercado secular.

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Então. Buscar, multiplicar, valorizar e se divertir. É a nova ordem.
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Silvério Pessoa, músico e colunista do blog do CUCA.